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Galandum Galundaina

Galandum Galundaina é um grupo de música tradicional, criado com o objetivo de recolher, investigar e divulgar o património musical, as danças e a língua das terras de Miranda do Douro, Portugal.

Com quase 20 anos de existência desenvolve vários trabalhos. Para além da edição de três discos e um DVD ao vivo, é também da sua responsabilidade o renascimento e novo interesse pela música tradicional da sua terra; a padronização da gaita-de-foles mirandesa; organização e apoio técnico de vários festivais e outros eventos. Ao longo dos últimos anos, elementos do grupo interessaram-se pela construção de instrumentos musicais de raíz tradicional e atualmente grande parte dos instrumentos usados em concerto são da sua autoria.

Os álbuns editados têm tido uma excelente apreciação pela crítica especializada. Em 2010 para além da atribuição do Prémio Megafone, o álbum Senhor Galandum foi reconhecido pelos jornais Público e Blitz como um dos dez melhores álbuns nacionais.

Do roteiro do grupo fazem parte alguns dos mais importantes festivais de música tradicional/”world music” em Portugal, Espanha, França, Itália, Bélgica, Alemanha, Cuba, Cabo Verde, Brasil, México e Malásia.

 

2001: L Purmeiro 

2005: Modas i Anzonas

2006: Galandum Galundaina ao vivo (DVD)

2010: Senhor Galandum 

Ligações

URL: galandum.co.pt

 Galandum Galundaina - Nós tenemos muitos nabos

 Galandum Galundaina - Fraile Cornudo

Galandum Galundaina - A excelência da modernidade enraizada, por Mário Correia

Em memória do Sr. João Peixoto

José MachadoEm memória do Sr. João Peixoto

Vou-me embora, vou partir,
Ó amor dos meus carinhos,
Vou-me despedir de ti,
Quero-te dar dois beijinhos!

No dia 2 de Janeiro deste ano de 2007, por doença incurável, faleceu o Sr. João Peixoto, nosso associado desde 1992, quando já tinha a bonita idade de 65 anos e ainda pensava que o lugar de tocador de bombo na tocata do Grupo Folclórico e Etnográfico de Palmeira lhe podia encher os dias e as memórias para netos e bisnetos. E assim foi durante 14 anos, que hoje se recordam como dias felizes, com ensaios e saídas de entusiasmo, em tarefas de contínua predisposição para o serviço e para a partilha das responsabilidades.

O Sr. João Peixoto, filho de Abílio Peixoto, pedreiro de ofício, e de Maria Fernandes Rodrigues, naturais e moradores no lugar de Lamela, nasceu em 6 de Maio de 1927, teria completado este ano os 80 e bem os merecia se Deus não o tivesse chamado a Si. Era o nosso associado 107, mas antes fora o sócio nº 250, que é esta a sina de uma associação, crescer e decrescer, numerar e renumerar os seus associados, conforme as vicissitudes da vida e das ideias de cada um.

Casou no ano de 1952 com Alzira de Jesus Rodrigues, tiveram 3 filhos, o Adélio, a Maria da Conceição e o Manuel, este falecido em circunstâncias dramáticas e ainda hoje dolorosas. Quatro netos e uma bisneta completavam a sua família na hora do falecimento.

Quando morrem os velhos, nós ficamos mais velhos também. E dizemos velho com esta intenção de dizer que velho é o Sol e não passamos sem ele, porquanto é na sua velhice que encontramos o sustento das novidades. Por força do Sol, ficaram também os velhos com esse papel de transmissores e de sustentadores das novidades, não para as poderem prever, mas para as poderem tornar mais compreensíveis, num rol de recomendações e de cautelas que os novos não apreciam, dispostos ao improviso contínuo das novidades. Mas o passar dos anos vai-nos dizendo que olhar para trás ajuda a olhar para a frente.

Morreu o velho amigo senhor João, o tocador de reque-reque, a presença completa da humildade enquanto pessoa, o homem de total disponibilidade para os outros naquilo que as suas forças permitissem, porque de vontade própria nunca via entraves às tarefas que obrigassem a vida a seguir um rumo. Foi toda a vida um homem da construção civil e do amanho da terra, sendo esta, desde que construíra a sua casinha na Rua das Flores, ali no lugar de Valinhos, um quintal de novidades nas quais se apoiava o orgulho das árvores de fruto, a figueira, o diospireiro, as laranjeiras, as macieiras.

Morreu o senhor João da Zirinha do Barraco, assim era a nomeada deste homem bom. Pode lá haver mais humilde nomeada para um homem que toda a vida trabalhou por conta de outrem, por todo este país, do Minho ao Algarve? Na sua casa nova fez questão de colocar duas fiadas de flores, feitas de 4 conchas pretas de mexilhão, num gesto artístico tão ingénuo quanto significativo da sua sensibilidade, e colocou sobre a porta de entrada um nicho com os três santos das festas populares, Santo António, S. João e S. Pedro. Reformou-se em 1978, passando a ocupar-se com tarefas a jornal. Na vida associativa, a que aderiu com entusiasmo, foi notado o seu empenho na angariação de patrocínios para o Festival de Folclore e para a Revista, como foi sempre notada a sua vontade de sair e de conhecer outras terras tocando, cantando e dançando. Nunca estava cansado para sair com o Grupo. A sua esposa bem pode testemunhar a sua prontidão para sair com o Grupo, sobretudo quando lhe parecia mais cansado e ela lhe dizia que «hoje não ia sair», que logo ele se arrebitava e dizia «agora não, olha que já estou pronto». Muitas vezes foram «ambos a dois» para o cumprimento de permutas e contratos, ele alegre e bem disposto e ela apreciadora deste convívio que a vida associativa proporciona. Aqui se recorda também a sua vontade expressa de ser ele próprio a construir a sede da Associação se acaso a sorte lhe compensasse as investidas no totoloto, nas raspadinhas, na lotaria e noutros jogos de fortuna em que gostava de insistir. Aqui se recorda o seu gosto de participar no cantar dos Reis, ainda que fossem cantados em casa de sua filha e fosse ele a pagar a festa.

A cultura popular deixa-nos as palavras na sua crueza de ironia, mas na sua plenitude de expressão: ser o homem conhecido pela mulher que esposou e serem ambos referidos a um presépio da natureza de um barraco, eis uma origem humílima desta nossa urbanidade contemporânea. E agora termos ouvido dele próprio a narração orgulhosa da sua história de vida, e agora termo-lo visto alguns anos aplicado a esse instrumentar rítmico das cantigas e danças que tão orgulhosamente apresentámos como marcas de nossa identidade, é sempre termos presente na razão e no coração uma nascente desse valor humano que é a humildade, não a resignação nem a desistência, mas a capacidade de nos estimarmos como somos e de termos orgulho em nós próprios.

O reque-reque é um instrumento percutivo de persistência, de regularidade e de regularização do ritmo, mas é também o instrumento popular mais privilegiado para a invenção de formas e para a ironia e para a sátira de tipos e ofícios, por isso requer quem o estime e quem lhe sinta o orgulho de ser tão preciso na tocata como os instrumentos fazedores da melodia. E o senhor João vivia essa missão cultural do instrumento, com a mesma humildade de vida e de trabalho.

Paz à sua alma e louvor ao seu exemplo. O futuro, não tenhamos ilusões, seguirá por esta via que é a de ser encarado como problema a resolver pelo trabalho persistente e regular, com uma marcação de ritmo que se adapte às suas voltas, com um desejo experimentado de improviso para os seus contratempos. Hoje, que sentimos no ar esta vontade urgente de tudo simplificar e abreviar, aceitemos a necessidade do treino dos pequenos gestos, aceitemos a necessidade do ritmo regular nas mais breves situações. Simplificar e abreviar não é saltar por cima, não é passar ao largo ou passar à frente. Os anos são afinal como nós próprios: o novo tudo quer para si como sonho e como expetativa, o velho tudo mostra em si como caso e circunstância. Os casos e as circunstâncias do Sr. João fazem parte da nossa história associativa. Saibamos preservá-los.

José Machado

Braga, Julho de 2007

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