MMSocial
A+ A A-

Braga - cidade de sons

José MachadoBraga - cidade de sons

Por José Hermínio da Costa Machado, mestre, professor.

Para a celebração dos 150 anos da ACB, deixemos entrar pelas ruas da cidade as bandas filarmónicas dos concelhos que se inscrevem no seu âmbito de ação, pois elas trazem a história longa das práticas musicais das suas gentes e agora executam o Hino de S. João: a Banda Filarmónica de Amares (fundada em 1853), a Banda de Música de S. Miguel de Cabreiros (em 1843), a Banda de Música dos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso (1904), a Banda Musical de Calvos (entre 1830-1850), a Banda Musical da Carvalheira (1839), a Banda Filarmónica de Santa Maria de Bouro (1858), a Sociedade Filarmónica de Vilar Chão (1830), a Filarmónica de Vieira do Minho (1898), a Banda Musical de Aboim da Nóbrega (1735) e a Banda Musical de Vila Verde (1936).

De seguida, ouçamos o carrilhão da Sé (data do século XVII), entre outros que Braga tem (S. Vicente, Santa Cruz), num misto de repertório clássico e popular.

Uma vez na Igreja Primacial, deixemo-nos enlevar pela música gregoriana que a «Escola de Braga» sempre conservou e promoveu, com uma tradição do estudo (espólio, arquivo, museu) e da criação da música, essencialmente religiosa, mas também erudita (de câmara, de orquestra, coral), mergulhadas na contemporaneidade dos géneros: os compositores e os intérpretes da «música em Braga» se, por um lado testemunham a iniciativa dos seus arcebispos, por outro lado inscrevem-se de pleno direito na memória musical do país e do mundo, sirvam de exemplo dois nomes notáveis: Manuel Faria (1916-1983), Joaquim Santos (1936-2008).  

Tal como no comércio, Braga é porosa aos sons do mundo, mas também identitária («O Minho parece ter no seu espaço sonoro uma ancestralidade folclórica» - escreveu Rui Abreu, Blitz, 82, 51). Aqui se ouvem, praticam e cultivam todos os domínios musicais, desde a música erudita (concertos, recitais, audições, teatro, «performance») à música tradicional e popular (Zés-pereiras, fanfarras, bandas, conjuntos de baile, «aparelhagens de som», desfiles, festivais de folclore, encontros de coros, concertos de pop-rock, cantares ao desafio, tunas, fados, músicos de rua), desde o fado (Manuel Lima, Acofa) e a canção de Coimbra (Manuel Borralho, Grupo de  Fados da ARCUM) ao pop-rock (hip-hop, soul, funk)e ao jazz, desde a música de intervenção às músicas das comunidades migrantes. «Qualquer coisa entre a Sé de Braga e Nova York» - nas palavras de António Variações (Fiscal, Amares: 1944-1984) – pode ser fio condutor para a descrição dos sons que enchem os espaços urbanos, os de periferia e os rurais: os promotores e os mediadores, os criadores e os intérpretes, as indústrias culturais, as editoras, os meios de comunicação e a rede virtual, como noutros lugares, também aqui dão sinais de expansão, aqui manifestam sinais de crise e de mudança, com uma visibilidade de escala.

Se o ciclo das festividades religiosas e populares marca com repertórios a agenda musical dos bracarenses de forma massiva e pública, também as instâncias de programação (instituições, escolas, associações, municípios, gestores culturais) desenvolvem iniciativas para uma agenda musical de livre escolha, em espaços reservados e específicos (teatros, auditórios, parques, palcos).

Podemos enunciar, a título de exemplo, um conjunto de lideranças da vida musical bracarense: o Departamento de Música do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho, o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian,  a Companhia da Música da Casa de Música de Braga, as formações musicais como Orfeão de Braga, «Capella Bracarensis», a escola de Música Sacra Bracarense, o Coro e Orquestra Académica da Universidade do Minho, os múltiplos coros paroquiais, os grupos de pop-rock (Mão Morta, Peixe-Avião, «Buda»), os gestores culturais (Theatro Circo, Braga-Jazz), a edição (À Sombra de Deus, Tradisom), as associações, os grupos de folclore, os grupos de música popular (Raízes, Canto d’Aqui).

Braga, cidade de sons – é  também uma memória pessoal de vivências musicais.. Cheguei a Braga em 1964 para estudar no Seminário do Espírito Santo, numa ambiência sonora de cariz religioso, com prática de canto coral e órgão, mas já permeável aos sons «profanos» da televisão e do cinema, aos sons do teatro, onde pontuavam as melodias clássicas (aberturas, árias) e populares, executadas por uma tuna de instrumentos de corda (contrabaixo, bandolim, violão, violino, violoncelo).

Os anos seguintes foram de contacto com as músicas de Cabo Verde (mornas, coladeiras) e de Angola, lugares de missão. De 1968 em diante, a abertura intensiva ao mundo musical da pop marcou os dias, as horas e os tempos de intervalo: acordava-se ao som dos Beatles, sentia-se o entusiasmo de adaptar as músicas religiosas ao ritmo e às melodias do mundo exterior.

Paralelamente, o circuito dos concertos da Juventude Musical Portuguesa: havia na cidade, na biblioteca pública quase sempre, concertos de música clássica (piano, música de câmara). Depois, no Conservatório Calouste Gulbenkian de Braga, em formação musical e clarinete, o contacto com a música contemporânea através das atividades de Cândido Lima (audição de Xenakis e de Emanuel Nunes, visita à Fundação Gulbenkian, assistência a concertos de orquestra).

Com o 25 de Abril tudo se fragmentou, não para desaparecer, mas para se distribuir por múltiplas experiências, umas de ruptura, outras de aprendizagem, contacto e assimilação de sonoridades. Na escola, a integração da música nas atividades didáticas, no teatro, nas festas; na aldeia, a preparação do coral para as músicas da liturgia; com os amigos, a experiência da improvisação, o contacto com o jazz, a frequência de músicas de baile, a audição da rádio, a compra de revistas da especialidade (o Mundo da Canção), até à formação de um grupo de folclore (aboios, modas de terno, coreográficas, religiosas).

Os circuitos da cultura musical passaram a ter paragens periódicas: construtores de instrumentos (Museu dos Cordofones), arquivos, concertos, Braga-jazz, festivais de Tunas, concertos de bandas, idas à ópera, palestras, leituras, investigações.

A experiência pessoal reflete um percurso geracional, testemunha o país e a cidade. Hoje, embora verificando, quer na música erudita, quer na música popular, a falta de algumas áreas da vida musical, por exemplo, a ópera, a música contemporânea, o teatro de revista, Braga entrou decididamente nos caminhos do consumo e da promoção de «sons» que a singularizam e também a globalizam.

Bibliografia sumária:

Blitz (2012-2013). Medipress.

Carneiro, Álvaro (1959) A Música em Braga. Braga: Theologica.

Castelo-Branco, Salwa (dir.) (2010) Enciclopédia da Música em Portugal no século XX. Lisboa: Círculo dos leitores.

Castelo-Branco, Salwa El Shawan, Branco, Jorge Freitas (2003) Vozes do povo: A Folclorização em Portugal. Oeiras: Celta.

Lima, Paulo (coord.) Michel Giacometti Filmografia Completa. RTP Edições, Tradisom.

Sampaio, Gonçalo (1944) Cancioneiro Minhoto. Porto: Livraria Educação Nacional.

José Hermínio da Costa Machado

Paulo Esteireiro

Paulo EsteireiroPaulo Esteireiro é licenciado, mestre e doutorado em Ciências Musicais pela Universidade Nova de Lisboa.

No domínio da comunicação social é, desde 2000, crítico musical da revista espanhola Ópera Actual para o Teatro Nacional de São Carlos (Lisboa) e foi colaborador permanente da secção de música do Jornal de Letras, Artes e Ideias (2000-2007), tendo escrito para estas duas publicações mais de duas centenas de textos sobre música. Assinou ainda uma rubrica semanal sobre música e edições na Revista do Diário de Notícias, entre 2005 e 2010. A partir de 2010, passou a colaborar semanalmente no Jornal da Madeira, com uma rubrica sobre educação e artes. Ainda no âmbito da comunicação social, foi autor de duas séries de 12 documentários para a RTP-M, intituladas de “Músicos Madeirenses”.

No domínio editorial, é autor e coordenador de várias publicações, entre as quais se destacam Uma História Social do Piano – Emergência e Declínio do Piano na Vida Quotidiana Madeirense (1820-1930) (CESEM), Músicos Interpretam Camões (co-edição da Fundação Calouste Gulbenkian com a Imprensa Nacional-Casa da Moeda), 50 Histórias de Músicos na Madeira (edição da Associação de Amigos do GCEA), Regionalização do Currículo de Educação Musical no 2.º Ciclo do Ensino Básico (edição da Direção Regional de Educação- Gabinete Coordenador de Educação Artística – Funchal) e o livro com composições da sua autoria 10 Novas Composições para Braguinha (AREArtística). É ainda coordenador da Coleção Madeira Música, série editorial que já publicou oito CD-Rom+Áudio sobre obras musicais históricas madeirenses e que permite ouvir composições maioritariamente do século XIX e primeira metade do século XX, contextualizadas na sua época através de textos de vários especialistas.

Como intérprete de guitarra clássica e braguinha (variante do cavaquinho), atuou regularmente no Quarteto de Guitarras e no Ensemble de Guitarras da DRE/Educação Artística, tendo atuado em diversos concertos pedagógicos, com o propósito de promover o repertório erudito para braguinha e guitarra, em diversos espaços de concerto na Ilha da Madeira: Funchal, Câmara de Lobos, Santana, São Vicente, Ponta do Sol, etc. (atuações também para a RTP-M).

Tem escrito vários artigos na área da musicologia e da pedagogia, para várias revistas e publicações da especialidade no âmbito nacional, tais como a Revista da Associação Portuguesa de Educação Musical, a Revista Itinerários (Instituto Superior de Ciências Educativas), a Revista EduSer (Escola Superior de Educação de Bragança), a Revista Xarabanda, a Revista Islenha (Direção Regional dos Assuntos Culturais), a Revista Portuguesa de Educação Artística (Direção Regional de Educação, Madeira), a Revista Convergência Lusíada (Real Gabinete Português de Leitura, Rio de Janeiro) e o livro A Madeira e a Música.

Paulo Esteireiro - 10 Novas Composições para BraguinhaTem participado regularmente com várias comunicações e conferências em Fóruns e Encontros especializados em artes e educação, entre os quais se destacam o 6.º Colóquio do PPRLB, Real Gabinete Português de Leitura (Rio de Janeiro, 2012), Ciclo de Conferências  "Visões de Futuro para a Educação Artística" (Funchal, 2011), no qual foi conferencista e coordenador do ciclo, a 19ª Conferência da EAS (European Association for Music in Schools) realizada em Gdansk (Polónia, 2011) o  Seminário “República e Republicanos na Madeira” (Funchal, 2010), o Ciclo Musical e de Conferências "A Música na História da Madeira", no qual foi conferencista e coordenador do Ciclo (Funchal, 2010), o Fórum Musicológico "O Património Musical em Portugal: Inventariação, Projetos, Urgências" (Linda-a-Velha, 2009), a 17ª Conferência da European Associaton for Music in Schools (Tallinn, 2009), a Conferência Mundial da International Society of Musical Education (Bolonha, 2008), a Conferência Ibero-Americana de Educação Artística (Beja, 2008), a Visita de Estudo para Especialistas em Educação (Stornoway, 2008), a Conferência Nacional de Educação Artística (Porto, 2007), entre outros. Ainda neste âmbito, foi coordenador da Equipa Organizadora do Congresso Regional de Educação Artística nas três edições realizadas (Funchal, 2010, 2011 e 2012).

No domínio do ensino, foi entre 2008 e 2012 assistente convidado da Escola Superior de Educação de Setúbal e assistente do 1.º triénio da Escola Superior de Educação de Bragança - entre 2002 e 2005 -, onde lecionou as disciplinas da área das Ciências Musicais. É atualmente professor adjunto convidado do Instituto Superior de Ciências Educativas (Odivelas). Lecionou História da Música na Escola Profissional de Música de Almada (10.º ao 12.º ano) e ocupou o cargo de Diretor Pedagógico da Academia Musical da Ilha Graciosa e da Escola Profissional da Ilha Graciosa. Foi professor de guitarra clássica na Academia de Música da Liga dos Amigos de Queluz (escola onde mais tarde veio a ser diretor pedagógico), na Escola de Música da Foco Musical (Lisboa), no Gabinete Coordenador de Educação Artística (Madeira) e no Abrigo Infantil de Nossa Senhora da Conceição (Madeira).

No domínio da produção, foi assistente de produção da ópera Rigoletto de Verdi, organizada pela Foco Musical na Junta de Freguesia de S. João de Brito (Câmara Municipal de Lisboa), produtor da ópera Bastien e Bastienne de Mozart, em Santa Cruz da Graciosa, e coordenador dos espetáculos Quem tramou a Flauta Mágica, baseado na ópera de Mozart, A Flauta Mágica, A Voz na Seda das Palavras (Jorge Salgueiro e Ester Vieira), Carmen em Ritmo de Hip-hop, a partir da ópera Carmen de Bizet, e Rigoletto e o Portal de Cristal, inspirada na ópera Rigoletto de Verdi, organizados pelo Gabinete Coordenador de Educação Artística, no Funchal.

Atualmente é Chefe da Divisão de Investigação e Multimédia da Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia, onde dirige as seguintes áreas: a Biblioteca, o Setor de Edições, os Estúdios de Gravações Áudio e Vídeo e o Centro Multimédia, os Estudos de Musicologia Histórica, a Área de Tratamento de Dados, a Magazine de Educação Artística e a Livraria Online.

Ligações

Paulo Esteireiro

 

Publicações

Problemas Centrais da Educação Artística: Relexões sobre a Atualidade e Desaios para o Futuro

FIGA - Festival Interatlântico da Gaita-de-foles

O I Festival Interatlântico da Gaita-de-foles pretende tornar o Porto uma referência internacional deste instrumento, que invadirá a cidade de 23 a 27 de Abril de 2014.

Músicos, pedagogos, didatas, conferencistas e formadores portugueses e estrangeiros estão entre as centenas de participantes que vão estar espalhados em múltiplas iniciativas dispersas pela cidade em iniciativa promovida pela Cooperativa de Solidariedade do Povo Portuense.

A iniciativa pretende afirmar o Porto no contexto internacional, como provável ponto de partida deste instrumento para o norte atlântico e Brasil, onde foi o primeiro instrumento europeu a soar no continente americano, a 22 de Abril de 1500.

A pedagogia e a iniciação ao instrumento, o concerto didático e a relação com as escolas, a divulgação, animação de espaços públicos e a espetacularidade, bem como oficinas de iniciação e aperfeiçoamento, são parte importante da iniciativa, com várias conferências, debates e exibições, que se espalharão em vários pontos da cidade.

A “teoria” de que terá sido Portugal a exportar o instrumento para a Escócia, onde é instrumento nacional, é um dos temas em debate.

Além do Porto, em Portugal o instrumento está atualmente mais enraizado em Trás-os-Montes, Minho e região de Coimbra, representadas no triskel que serve de logotipo da iniciativa.

A nível de referência cultural, o Porto não criou ainda uma identidade reconhecida que faça justiça à sua posição geográfica. A médio prazo, pretende-se que a gaita-de-foles seja mais uma porta cultural e a cidade uma referência internacional neste instrumento.

Consulte aqui o Cartaz

Apoios Bobina Studio

Facebook Música e Músicos
Canal Youtube - Música e Músicos